Caiu outro avião e a gente não aprendeu a aproveitar o momento e os amigos
Luciana Bugni
21/11/2019 04h00
(iStock)
Eu estava saindo da redação na véspera de feriado, quando ouvi: caiu um avião.
Minutos depois, estava saindo do metrô, e minha amiga, a editora Andressa Zanandrea, escreveu: "você conhece quem estava no avião". Meu coração deu uma paradinha até a próxima mensagem chegar. Era Marcela Brandão, estudamos juntas por quatro anos na faculdade. Nunca fomos próximas, mas lembro exatamente do rosto dela e da voz dela. Chique, bem vestida. Ela era muito amiga da Thami Nóbrega, de quem eu sou amiga. Marcela tinha 37 anos, como eu. Ela tinha um filho como eu. Ela tinha melhores amigas como eu.
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Fui até minha casa naquela quinta-feira chuvosa tentando entender as mortes repentinas. Uma mulher está indo para um feriado em família e, de repente, acontece uma tragédia. O existir e o não-existir repentino. Me coloquei no lugar de Thami, perdendo uma de suas grandes amigas.
Thami me disse que na última conversa ao vivo com Marcela, elas haviam falado sobre ter tempo para quem a gente ama. É uma conversa constante nas rodas de mulheres da minha idade que, tomadas pelos afazeres da maternidade e do trabalho, sentem falta de três horas a mais por dia. Para lavar o cabelo, para ver uma série, para ter uma conversa aprofundada em alguma coisa que não seja reclamar que está faltando tempo. Para dar risada com os amigos. Para ficar quieta, sem fazer nada, olhando a chuva bater no vidro por 15 minutos.
Desde o dia do acidente penso na falta de tempo. Nas respostas que não dou quando estou no trabalho, nas mensagens que nem chego a ler porque não consigo. Na chupeta do meu filho que não consigo tirar porque não tenho disposição para enfrentar algumas noites sem dormir (não agora). E o não agora vai passando para o próximo mês, e os dentes dele estão ficando tortos, e isso só aumenta minha cobrança diária por ter mais tempo para ter mais disposição para ensinar aquele garoto a dormir sem chupeta. Toda essa angústia ajuda em exatamente nada.
Outro dia, uma sexta-feira, passei no mercado próximo à minha casa para comprar algumas coisas depois do trabalho. Na fila, uma dezena de pessoas sozinhas e cansadas, com garrafas de vinho ou cerveja na mão. Tive a impressão que as pessoas trabalham para pagar os drinques que podem fazer com que elas se esqueçam do trabalho e tenham forças para trabalhar no dia seguinte e possam comprar sua diversão de novo. E, te digo, não sou ninguém pra julgar.
Lógico que é muito bom ter um trabalho. Lógico que é muito bom ter amigos que sintam nossa falta como sentimos a deles. Lógico que ter filhos é legal demais e, pensando bem, aquele menino é fofo com chupeta e tudo.
Mas não tem um jeito, um jeitinho muito específico, de curtirmos tudo isso e nossos próprios momentos apesar do cansaço, apesar da tristeza, apesar dos pesares todos?
Fico pensando em Thami e Marcela, nos 20 anos de amizade em que uma brindou a outra com esse carinho extremo que é se colocar a disposição para ouvir. Ciente de que isso nunca substituiria sua melhor amiga, eu me coloquei a disposição para escutar Thami sempre que ela precisar dizer qualquer coisa.
E você, já escutou alguém hoje? A gente conta demais com o amanhã, com a sexta-feira, com o vinho que a gente vai buscar correndo no supermercado.
Mas a verdade mesmo é que a gente só tem o hoje.
Você pode continuar essa conversa comigo no Instagram: @lubugni .
* esse texto é para a Virginia, com um abraço apertado para todos os familiares da Marcela.
Sobre a autora
Luciana Bugni é gerente de conteúdo digital dos canais de lifestyle da Discovery. Jornalista, já trabalhou na “Revista AnaMaria”, no “Diário do Grande ABC”, no “Agora São Paulo”, na “Contigo!” e em "Universa", aqui no Uol. Mora também no Instagram: @lubugni
Sobre o Blog
Um olhar esperançoso para atravessar a era digital com um pouco menos de drama. Sororidade e respeito ao próximo caem bem pra todo mundo.