Brasileiro lota praia, mas duvida da praia lotada e culpa imprensa: quê?
Luciana Bugni
01/09/2020 09h53
Uma galera, hein? (Wilton Júnior – Estadão Conteúdo)
Minha formação (e minha mãe) me impedem de começar esse texto com um palavrão, mas: XXXXX, que saudade de uma praia lotada. O cara do mate vindo, aquela esfiha de carne que passou o dia no sol — me vê logo duas, essa aqui vou deixar no sol para comer mais tarde com areia. O mar que ainda está gelado, a cerveja que já ficou quente. Vai chegar mais gente, não enxergo o celular, não pisa na minha canga, passa protetor no meu ombro?
Podia passar mais uns três parágrafos descrevendo tudo que eu faria num domingo de sol na praia, mas vocês devem saber que está rolando uma pandemia aí fora e que não é muito seguro estar em um lugar quente, lotado e sem máscara — ou você vai me dizer que fica de máscara na praia também?
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Eu sei, eu sei, tem gente que não tem os mesmos pudores que eu em relação a uma doença letal que está ficando a olho nu menos letal, mas continua matando muita gente. Nenhum julgamento, a gente precisa se divertir mesmo. Ok, um pouco de julgamento. Não consigo mais olhar uma praia lotada sem ver uma proliferação gigante daquelas bolinhas cheias de espinhos que a gente entende como a representação gráfica do coronavírus. Mas aí sou eu: tem muita gente que consegue e passa o fim de semana no litoral feliz da vida.
Até aí, nada muito impressionante. Faz meses que o Brasil se divide em grupos: dos privilegiados que podem ficar em casa, dos trabalhadores que são obrigados a sair e enfrentar o vírus em subcondições de transporte público e dos privilegiados que podem ficar em casa, mas não aguentam mais e precisam passar o fim de semana na praia se divertindo sem máscara.
Deve ser por isso que as fotos publicadas pelos grandes jornais no último domingo e segunda irritam tanto. A grande questão é sempre a inveja. Eu queria estar aqui dentro de casa tentando proteger quem eu não conheço da possibilidade de eu ser assintomática? Acho que não. Mas minha mãe me ensinou que eu devo sempre pensar no outro, que isso é civilidade e eu não consigo fazer diferente. Eu não consigo estar sem máscara numa praia pensando "seja o que Deus quiser". Aí fico incomodada de ver quanta gente consegue. Mas as pessoas precisam se divertir. É complicado mesmo. O que você prefere: sobreviver louca dentro de casa ou talvez adoecer feliz na rua? Pois é.
Eu fico pensando no fotógrafo, sabe. Se tem uma coisa chata do jornalismo, é plantão. Mais chato ainda é plantão em domingo de sol. Mais chato ainda é plantão em domingo de sol num lugar onde está todo mundo se divertindo e você trabalhando. Agora imagina esse cara: de roupa e máscara, equipamento pesado, tem que ir lá para a Ponta da Praia em Santos tirar umas fotos da areia repleta de gente no dia de seu plantão. Confirma: está lotado mesmo.
Volta para a redação. As fotos são publicadas e começam os comentários na internet. As pessoas estão dizendo que estavam lá na praia e não estava lotada daquele jeito. Estão duvidando da vegetação da praia. Estão duvidando dos canais de Santos (se tem uma coisa que não dá para negar que é Santos são os canais que cortam a cidade). Estão duvidando da data da foto. E por fim, estão culpando a imprensa.
Não pode ser verdade. O bonito vai pra praia, se diverte sem máscara, entra em estado de negação total, volta para casa, vê uma foto que mostra o quanto foi perigoso o que fez e PÁ: culpa o veículo que deu a notícia. Gostoso mesmo é ver o Twitter, né? Ver o Instagram da galera que também não está nem aí. Ver alguém dublando a Whitney Houston no TikTok e sair dizendo: nossa, canta muito!
Eu sugiro gastar o tempo analisando mais criticamente outras publicações e duvidar do TikTok, por exemplo, em vez de sair compartilhando dublagem como se fosse verdade. Confiem na imprensa. Andem de máscara. Evitem aglomerações. E tentem não me irritar.
Vocês podem duvidar de mim no Instagram. Dessa imagem aqui, não dá para duvidar, não.
Sobre a autora
Luciana Bugni é gerente de conteúdo digital dos canais de lifestyle da Discovery. Jornalista, já trabalhou na “Revista AnaMaria”, no “Diário do Grande ABC”, no “Agora São Paulo”, na “Contigo!” e em "Universa", aqui no Uol. Mora também no Instagram: @lubugni
Sobre o Blog
Um olhar esperançoso para atravessar a era digital com um pouco menos de drama. Sororidade e respeito ao próximo caem bem pra todo mundo.