Graciele falsa magra: conceito machista prejudica nossa relação com o corpo
Universa
16/09/2020 04h00
Reprodução Instagram
Falsa magra tem dois sentidos. Os dois horrorosos.
O primeiro é uma das tantas expressões machistas que surgem em conversa como se fosse elogio. O homem que se dirige a uma mulher dizendo que ela é falsa magra está querendo dizer que ela, apesar de ser magra, é gostosa. Sim, um comportamento de quem compra uma carne no açougue, analisando se ela tem gordura o suficiente para dar sabor ao churrasco. É, nojento.
Mas vai ter comentário aqui embaixo de homens dizendo que eu não sei o que é um elogio. Acontece: sempre que dizemos que um homem está nos ofendendo, eles tentam explicar que a culpa é nossa. É, nojento de novo.
Veja também
- Deborah Secco e foto de seios à mostra: tem idade pra biscoitar nas redes?
- Luísa Sonza e Vitão: uma mulher livre rebolando incomoda muita gente
- A incrível vida de Neymar num mundo que, na verdade, tinha Covid, sim
O segundo é para determinar que, apesar de parecer magra, a mulher tem índices de gordura mais altos do que aparenta. O que não quer dizer que a pessoa não está saudável. Graciele Lacerda fez um post no Instagram ontem usando esse sentido da expressão. Se mede o corpo assim nas academias, mas não tem o teor machista que citei antes, já que é uma expressão usada para homens também. Ela afirma que mudou o jeito de encarar a comida e o resultado se vê na definição dos músculos na coxa e na barriga. Ela diz estar mais feliz agora. Que bom, é ótimo se sentir bem com o próprio corpo. Mas ele não precisa ser um corpo magro ou musculoso. O lance é se sentir bem com o corpo que a gente tem.
Graci diz que reeducou a alimentação, condenou a cultura do diet e mostrou que está satisfeita. Claro, não há nada de errado nas escolhas que faz para si mesma. Acontece que quem vê o post de Graciele dificilmente vai alcançar o corpo que ela conquistou e mostra em seu antes e depois. E mais: mesmo o antes da esposa de Zezé é bem difícil de alcançar — quem tem um corpo daquele?
Redes sociais e a tristeza de ser a gente mesmo
Quem viu o documentário The Social Dilemma, na Netflix, percebe o impacto que essas postagens têm em quem não está no padrão de beleza imposto. Ao ver fotos de antes e depois de mulheres cujo antes já era melhor que nosso agora, temos a sensação de que estamos devendo algo justamente por ter um corpo diferente daquele ali exposto. O que não faz o menor sentido, mas vai explicar isso para o cérebro que está cheio de padrões de beleza inatingíveis impostos há anos.
Sabe quando você coloca o celular em cima da mesa e vai fazer outra coisa, mas fica com uma sensação ruim e não sabe de onde veio? Pode ser um post assim, que passa rápido pelos seus olhos e causa uma frustração. Depois vem outro e vem outro. E você ali, com aquele amargo na boca, como uma menina de de 12 anos que quer ter uma aparência que não terá nunca. É.
Mulheres que têm corpo dentro do padrão têm todo o direito de fazerem seus posts, selfies e o que quiserem, claro. O que a gente precisa é desvincular a forma que o corpo da gente tem (ou que gostaríamos que tivesse) da felicidade.
Falsa magra não devia existir. É ofensivo quando sai da boca de um homem. É uma preocupação desnecessária quando a expressão é usada da maneira que Graci usou.
Falsas expectativas deixam a gente triste sem que percebamos. A gente precisa combater a propagação desse sentimento todos os dias. A felicidade está na saúde do corpo físico, claro. Mas está em muitas outras coisas também. Postagens exaltando corpos perfeitos não são parte delas.
Podemos inclusive falar mais disso lá no Instagram.
Sobre a autora
Luciana Bugni é gerente de conteúdo digital dos canais de lifestyle da Discovery. Jornalista, já trabalhou na “Revista AnaMaria”, no “Diário do Grande ABC”, no “Agora São Paulo”, na “Contigo!” e em "Universa", aqui no Uol. Mora também no Instagram: @lubugni
Sobre o Blog
Um olhar esperançoso para atravessar a era digital com um pouco menos de drama. Sororidade e respeito ao próximo caem bem pra todo mundo.