Alanis tentando lançar música nova com criança no colo somos nós em 2020
Não precisa ser muito sensível para perceber que 2020 está sendo um pouco puxado para quem tem filho pequeno e trabalhos grandes. Nem precisaria estar atolado de serviço para ser difícil criar uma criança em casa, sem ajuda dos avós, no meio de uma pandemia, num país como o Brasil. E, claro, se não tivesse o trabalho seria ainda mais difícil, então a gente tem mais é que agradecer. Mas que tem hora que é perrengue, ah, isso é.
Ontem eu e uma amiga nos obrigamos a entrar no Zoom e conversar por trinta minutos no horário em que deveria acabar nosso expediente — e nunca acaba, sempre tem uns 40 e-mails para responder, uns relatórios para enviar, quando você vê, são 21h.
Veja também
- Dia dos pais em 2020: saudades antigas doem ainda mais na pandemia
- A morte de Rodrigo Rodrigues nos lembra que isolamento é um ato de amor
- Festa no dia dos pais: aceitar novo normal é mais chato que seguir isolado
Pois quando abriu a câmera, ela estava sentada no chão, no quarto das crianças. Tinha levantado com o notebook nas mãos para separar um briga dos dois filhos de 5 e 3 anos. Enquanto voltava para a mesa, lembrou de algo que precisava fazer com urgência e sentou ali mesmo para resolver logo o assunto. E lá ficou. Uma coisa puxa a outra e a outra.
Entendo bem.
Talvez por isso o vídeo de Alanis Morrissete com a filha no colo tentando mostrar sua música nova, Ablazed, no programa de Jimmy Fallon, tenha me tocado tanto. Você vai assistindo e é inevitável pensar: mas não tinha ninguém para ficar ali com aquela criança? Aí a garota segue interrompendo e a mãe aqui desse lado começa a ficar sufocada. Mas a mãe do lado de lá por acaso é a artista que transcendeu nos anos 90 mostrando para uma geração bem confusa que era ok andar descalça, de cara limpa, descabelada. E ela pergunta com doçura e verdade para a filha: "Está alto demais para você?" A garota responde que está ok. Está tudo ok.
Alanis segue cantando sobre amor, família, como ajudar crianças a estarem preparadas para as escuridões da vida. "Pode parecer sombrio, pode parecer solitário e você se perguntará o porquê de estar aqui/ Você pode ser dominado pela escuridão e uma sensação de desespero/ Mas não importa se você mantiver sua essência conectada à unicidade", diz a letra.
Na gravação, sua filha do meio segue falando com ela e fazendo perguntas. Ela responde todas sem quase perder o tempo do próximo verso. Lógico, Alanis é uma artista. Não lança um disco novo há 8 anos e criou três filhos sem pensar tanto em trabalho, um privilégio. Além disso, seu instrumento de trabalho — a música — é um pouco mais interessante para menores de idade que o meu — Outlook, Excel, Slack e palavras que meu filho ainda não sabe ler. Concluo que não dá realmente para parar de trabalhar no home office toda vez que seu filho pede. Eu não sou a Alanis Morrissete.
Mas o que mais me emociona no vídeo daquela cantora que eu admirava tanto na década de 90 é ver a mulher que ela se tornou. Ela não chacoalha mais o cabelo dentro de um carro num videoclipe que sabemos de cor. Mas segue descalça, de cara limpa, com o cabelo natural no clipe oficial de Ablazed (sem interrupções da filha, o que, cá entre nós, faz falta).
A garota rebelde dos anos 90, como eu e você, amadureceu. Mas não mudou tanto assim. Isn`t it ironic? Don't you think?
Mandei os links das duas versões da música para minha mãe. Sempre com um pedido de desculpas por ter sido aquela garota insuportável e descabelada na década de 90. Mas também com um agradecimento por ela ter me esperado chegar aqui. Ela sempre esteve ali. E é como espero estar para meu filho.
"Quando você precisar, estarei aqui a qualquer custo/ Este ninho nunca irá desaparecer/ Minha missão é manter a luz em seus olhos acesa/ E este cabo é inquebrável/ Esta luz de aviso está aí no seu bolso/ E esse vínculo, está além de ser inabalável/ Mesmo se todos nós esquecermos/ Ao mesmo tempo", Alanis resume o amor pelos filhos. Que bonito.
Seguimos aqui, ou meio aqui, ou bem mais ou menos aqui, porque agora meu filho quer manga com iogurte. E ver um desenho. E nunca mais fazer xixi ("fazer xixi é muito chato, mãe"). E eu tenho umas oito reuniões enquanto o dia passa até que eu finalmente possa dizer sim para perguntas que ele repete 40 vezes por dia: "Já acabou seu trabalho, mamãe?"ou "Hoje é sábado?".
Passada a situação catártica que me levou a escrever esse texto, o Youtube me direciona para outra música do mesmo álbum de Alanis: "Reasons I drink". Mas ok, isso é assunto para outro papo.
A gente pode chorar essa e outras pitangas juntas no Instagram.
PS: Obrigada a Marina, mãe de dois, separando briga e filmando abraços, por me abrir os olhos para tudo isso essa manhã.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.