A morte de Rodrigo Rodrigues nos lembra que isolamento é um ato de amor
Não tem mais lágrima, eu penso, segundos antes de ver o vídeo de Marcelo Adnet homenageando Rodrigo Rodrigues nessa terça (28), em que foi anunciada a morte do jornalista. Percebo que me enganei, e um pouco depois de Adnet começar a interpretar sua composição, estou chorando outra vez.
Deve ter acontecido com você também. Um dia inteiro consumindo homenagens como se isso pudesse trazer Rodrigo de volta. Fuço as mensagens no Whatsapp, no Twitter, no Instagram. Fico analisando se o respondi direito. Lamento ter adiado ir ao show do SoundTrackers. Volto ao Youtube, procuro o episódio de Paulo Ricardo no 5 Discos, programa de Rodrigo no Youtube, um hit aqui em casa. Falei disso aqui. Todo mundo falou dele o dia inteiro.
Nesse vídeo, em dado momento, Rodrigo assiste Paulo Ricardo tocar a música Nowhere Man. Há tomadas do cinegrafista e de Rodrigo, que filma de seu ângulo, no celular. A interpretação de uma das músicas que mais toca aqui em casa de novo, dessa vez pelo olhar de Rodrigo. Bem, sim: tenho mais lágrima.
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O conforto para quem sofre a morte do artista é que o artista é eterno. De Rodrigo, teremos os livros, os vídeos, as lives gravadas, as infinitas canções. O legado do artista fica para sempre. O que eu sinto é que ele tinha tanto mais para ver. Aos 45 anos, no auge de uma carreira bacana, no lugar onde queria estar… O que será que o Rodrigo queria olhar agora? E para onde os olhos rápidos, espertos, cheios de bagagem dele iriam guiar os meus, os nossos?
Pelas mensagens que recebo de leitores e de fãs dele, percebo que a dor é ainda maior por uma tristeza deste pesadelo de 2020. Com o Rodrigo, não. Não pode ser. Morrem mais de mil pessoas todo dia há nem sei mais quantos dias. Mas o cara legal que discute futebol, que toca violão, que brinca com todo mundo como se fosse um amigo de infância… ah, esse não. A gente só lamenta quando é com a gente — estamos perdendo Rodrigo. Está doendo. Mas e agora?
A explosão de Cris Flores e a nossa paralisia
A comoção pública com a morte de Rodrigo coincide com o momento que até os mais apegados ao isolamento cogitam sair de casa. São quase cinco meses. Vem aí o dia dos pais. Está todo mundo exausto. Mas como eu, você e as pessoas que sofreram ao se despedir de Rodrigo, outras mil famílias estão se despedindo de alguém hoje. E ontem. E anteontem. A morte que nos entristece nessa terça nos lembra de que não é o momento de fazer festa.
Cris Flores gravou seu programa Triturando, no SBT, com um rompante de raiva. O pessoal que está fazendo festa está comemorando o quê? Seu egoísmo é maior do que a dor dos outros? Obrigada, Cris. É bom ter alguém que lembre que a tristeza às vezes se combate com um pouco de raiva. Porque a raiva pode mexer com a gente para o bem.
A pandemia está aí, está todo mundo com medo há tanto tempo. Mas bem no momento em que abanamos o rabinho ao ver as chaves da porta, pensando que "não perdemos ninguém" ainda, se vai uma pessoa querida e pública. Aí a gente volta para dentro de casa, o rabo entre as pernas.
Rodrigo, Zezé, Luciano: é o (novo) amor
No começo da quarentena, quando a gente ainda achava graça em fazer pão e ver live, os Amigos fizeram uma dessas. O cenário era montado por uma marca de cerveja: 5 casinhas independentes para abrigar Chitãozinho, Xororó, Leonardo, Zezé di Camargo e Luciano. Mais distanciamento social, impossível. Eu aqui, meu vinho branco, cantando Pão de Mel empolgada… Zezé se empolgou mais que eu e deu um pulo para a casinha do lado. Abraçou Luciano, que tentava esquivar. Quem vai condenar um abraço de irmãos? 2020 vai.
Neste ano, olha só que loucura, amar de verdade seu irmão é não abraçá-lo. A cena de Zezé e Luciano na live em abril volta à minha cabeça nesse dia ensolarado tão cinza. Amar os amigos é protegê-los como dá — e é não chegar perto deles. É o avesso do que entendemos por amor, palavra que Zezé e Luciano cantam tão bem. Mas já faz quatro meses, tá na hora de entender que é tempo de reinventar o amor.
Escrevo isso com uma lembrança engraçada: certa vez, cobrindo um cruzeiro musical de Zezé e Luciano, com Rodrigo, ainda do Vitrine, da Cultura, num jantar elegante no navio, fazendo piada. Procuro no Google qualquer referência à essa viagem e não encontro. Queria poder perguntar para ele em que ano isso aconteceu — o abstêmio sempre se lembra melhor das coisas. Rodrigo Rodrigues segue offline desde sábado.
O luto e o desgraçamento de nossas cabeças
Outro dia meus amigos argumentavam que não saberemos como a pandemia afeterá psicologicamente nossos filhos. Fizemos uma conta rápida: aqui em casa, meu menino já passou 10% de sua curta vidinha trancado num apartamento pequeno, correndo de lado para não bater nos móveis. Eu devolvi aos meus amigos que difícil mesmo é lidar com o luto. A questão não é se eu vou sobreviver. É que o outro também precisa estar lá quando tudo isso acabar.
Ficar em casa é um ato de amor pelo outro. Aquele que não pode ficar. Aquele que precisa trabalhar. Eu aguento mais um pouco, mais um tanto, mais um ano. Eu tenho certeza de que você também. Lidar com o luto é tão mais difícil do que reclamar que não aguento mais.
Hoje, tudo que a gente queria era estar em casa reclamando de que não aguentar mais. Mas Rodrigo podia estar ali, fazendo uma live, como numa madrugada dessas de quarentena: eu pedi para ele tocar Black Bird, ele parou a mão em cima do violão com uma cara de enfadado para dizer que eu devia prestar mais atenção: "Lu, eu já toquei essa, tenta entrar na hora na próxima vez." Quando é a próxima? Fico parada com o celular na mão.
Porra, Rodrigo. Não tô acreditando ainda. Você não vai comentar o próximo story? Eita, começou o Troca de Passes. Rapaz do céu, e não é que eu tenho mais lágrima?
PS: Parabéns aos colegas da TV que foram tão profissionais e sensíveis nessa cobertura. E conheci um monte de gente via redes sociais nos últimos dias. O cara foi embora e seguiu apresentando pessoas. A gente pode conversar mais sobre esse assunto no Instagram.
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