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Goleiro Bruno e cães: o jeito piadista do brasileiro é o que afunda o país

Luciana Bugni

26/06/2020 04h00

Reprodução/Internet

Está tudo errado. Goleiro Bruno posou com cachorros em uma propaganda de canil e chamou um deles de filho. Se você puxar um pouco pela memória, logo se lembra do choque em que ficou esse país quando Eliza Samudio desapareceu e o namorado, ídolo do Flamengo, maior clube do país, era o suspeito.

O corpo desaparecido não permite comprovação das teorias, mas Bruno e seus comparsas foram condenados pelo crime com requintes macabros — a suspeita é de que o cadáver foi atirado aos cachorros da casa e os ossos cimentados em uma parede. Não consigo imaginar um roteiro de filme de terror mais assombroso e degradante que esse.  Tantos anos depois, após escrever tantas vezes esse resumo do crime em matérias diversas, ainda me fecha a garganta imaginar a cena.

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Eliza deixou um filho de Bruno, que foi criado pela avó. Esse garoto cresceu com o pai na cadeia, condenado por ter assassinado sua mãe. Como se não bastasse essa dor, tudo se agrava de tempos em tempos, quando o pai dele sai da cadeia, é contratado por um clube oportunista, ou faz uma foto com pit bulls para fazer merchan para um canil.

O goleiro provavelmente jogou o corpo da ex para cachorrros. Repito a informação para que gente não esqueça disso ao curtir uma foto em que ele, agora livre, abraça cães e chama um deles de filho. E aqui nenhuma crítica ao hábito chamar cachorros de filho, se você não tiver matado a mãe de seu próprio filho e envolvido cachorros na barbárie.

Bruno, um cara que é capaz de cometer um crime difícil de descrever, não deve achar a situação tão grave assim. Seus amigos, que ouviram seu plano e executaram, também não. Os donos de canil, habituados a diversas crueldades com animais, também não devem ter muito critério sobre o que é certo ou errado.

Mas o estranho é que o mesmo brasileiro, aquele que se chocou com tudo isso há uns anos, ache normal curtir essa foto. Esse escárnio com a memória de Eliza, com a vida de uma criança que está crescendo, com a de tantas mulheres que são assassinadas por seus companheiros sem a repercussão midiática do crime de Bruno… tudo isso devia nos revoltar. Mas o brasileiro vai lá e acha graça. E chama o resto de mimimi.

Essa mania de achar que tudo tem certa graça, que dá para fazer piada com qualquer coisa, nos levou à latrina onde estamos nesse 2020. Bruno no canil é o Collor, um presidente deposto, eleito como senador pelos 30 anos seguintes (estamos pagando o salário dele até hoje). Ou é uma crise de amnésia coletiva ou um senso de humor muito equivocado.

Talvez, se perdêssemos esse rótulo de piadista, de tio engraçadão do churrasco, virássemos um povo mais decente que respeita o outro e a dor do outro. Pra que não soframos tantas outras dores. Quando a gente reduz um assassinato a uma piada, estamos desumanizando nós mesmos. Nunca terá graça.

Eu não perco a esperança no meu povo, porque não costumo desistir das coisas. Mas tem dia que dá vontade de voltar para a cama e não sair de lá nunca mais.

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Sobre a autora

Luciana Bugni é gerente de conteúdo digital dos canais de lifestyle da Discovery. Jornalista, já trabalhou na “Revista AnaMaria”, no “Diário do Grande ABC”, no “Agora São Paulo”, na “Contigo!” e em "Universa", aqui no Uol. Mora também no Instagram: @lubugni

Sobre o Blog

Um olhar esperançoso para atravessar a era digital com um pouco menos de drama. Sororidade e respeito ao próximo caem bem pra todo mundo.


Luciana Bugni