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Luciana Bugni

Mães contra Felipe Neto: o movimento é pela educação ou pelo preconceito?

Luciana Bugni

10/07/2020 04h00

Que atire a primeira senha de wi-fi quem não soltou as telas para as crianças nesse adverso 2020. Antonio sempre genial Prata definiu bem: se uma criança que tenha 5 anos hoje resolver relembrar a quarentena no futuro, vai dizer que tinha gosto de doce e cores de Patrulha Canina. Me identifiquei. Meu filho viu mais desenhos nesses cento e tantos dias do que nos outros três anos da vida dele, época feliz em que dividia o tempo entre escola, vovós e sono exausto. E comeu mais doces em três meses do que eu na vida toda. Os pais precisam escolher suas batalhas.

Tentamos controlar ao máximo o uso das telas aqui em casa, propondo atividades diferentes o tempo todo. Mas é difícil fazer home office com criança pequena — filho único então acaba se entediando mais rápido de brincar sozinho. Às vezes, entre uma reunião e outra, dou uma pescoçada para dentro da sala para ver o que ele está vendo na TV.

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Se não é o Chase, Marshall e o resto da patrulha de Ryder, é a Peppa. Luna também é um sucesso. Conseguimos ainda segurar o YouTube — tenho pavor da passividade daqueles vídeos em que um adulto brinca com os brinquedos pequenos e a criança fica vidrada vendo. Mas não condeno, nem poderia, quem liberou o celular para os pequenos dedos ágeis curtirem as maravilhas do touchscreen.

Bons pais se preocupam com o que os filhos vão ver. É fato. E evitam o contato com o que repudiam. Ponto. Chegamos então ao motivo desse texto: você deixa seu filho ver vídeos do youtuber Felipe Neto?

A pergunta surgiu a partir de uma hashtag no Twitter: mães contra Felipe Neto. Uma resposta a outra hashtag, proposta por ele, de Mães com Felipe Neto — uma chancela de que seu conteúdo atual é, sim, aprovado para menores por seus pais.

Eu, que já havia até feito um texto sobre um vídeo transfóbico no passado de Felipe, fiquei curiosa. Ele é uma das pessoas que mais triunfou em algo que é meu propósito de vida: reavaliar as próprias atitudes, pedir desculpas por elas e mudar para melhor. E, estranhamente, foi exatamente isso, e não o passado preconceituoso, que mexeu com o público.

O conteúdo de Felipe não é exatamente educativo. Nos vídeos mais recentes, ele comenta jogos de minecraft. Ou lê as respostas mais engraçadas das provas que seus fãs mandam para ele. Eu, filha de educadores, fico um pouco aflita: a criança pode se encantar pela ideia de aparecer no canal de um ídolo e responder algo errado na prova de propósito.

"Ele não vai pelo menos dizer o que é a destilação natural? Vai perder essa oportunidade de ensinar milhões de pessoas?", eu me pergunto. Tento calar minha alma nerd — Felipe não é o Castanhari e nem tem essa proposta. Mas ele ainda surpreeende pedindo que o público não responda errado de propósito. Tá certo, tá tudo bem. Não é só porque sou nerd que todas as crianças precisam ver só conteúdos 100% educativos. O que não podem de fato é ver algo homofóbico, que incentive o desrespeito e o ódio. E isso, parece que Felipe não faz mais mesmo.

Vi esse ódio, aliás, no Twitter, partindo das pessoas que condenavam o youtuber. Felipe não presta, segundo as famílias que o odeiam, porque entrevistou uma mãe de pessoa trans e beijou um garoto na boca num vídeo, algo assim. Uai. E esse é o grande problema? Não entendo porque seria.

É claro que a gente pode e deve dar uma filtrada no que as crianças estão vendo na internet e TV. Eles copiam tudo o que veem e é nossa responsabilidade escolher a informação que recebem. Mas os motivos pelos quais vetamos um determinado conteúdo pode dizer mais sobre a gente do que sobre quem narra jogo de videogame na internet. Você pode gastar o seu tempo educando seu filho, por exemplo, em vez de propagar ódio na internet.

Mas se fizer questão, pode discordar de mim no Instagram.

Sobre a autora

Luciana Bugni é gerente de conteúdo digital dos canais de lifestyle da Discovery. Jornalista, já trabalhou na “Revista AnaMaria”, no “Diário do Grande ABC”, no “Agora São Paulo”, na “Contigo!” e em "Universa", aqui no Uol. Mora também no Instagram: @lubugni

Sobre o Blog

Um olhar esperançoso para atravessar a era digital com um pouco menos de drama. Sororidade e respeito ao próximo caem bem pra todo mundo.