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O herói da Copa: ter coragem como Casagrande pode mudar o Brasil

Luciana Bugni

16/07/2018 16h59

Com Galvão, companheiro de trabalho: a parceria ajudou Casagrande (Foto: Reprodução TV Globo)

Viciado é uma categoria de doença separada das outras. Tem algo no imaginário popular que determina que o adicto é culpado pela própria enfermidade por que, vejamos, um dia cometeu o delito de experimentar algo. "Oras, se nunca tivesse provado, não estaria nessa situação agora", diz o cidadão de bem que, garante, não tem nenhum familiar nas drogas. Acontece, olha só que coisa, que as pessoas experimentam drogas, sim. Sejam elas lícitas ou não – afinal, estamos falando do que vicia e que você pode comprar na padaria, de repente. Tem até, infelizmente, familiar do cidadão de bem que experimentou drogas e ficou viciado. E isso é muito triste. Tem menor de idade nessa. Tem gente que perde tudo. Tem gente que vai para a cadeia. Tem muita gente que morre sem nunca ter recuperado a sobriedade. Estar preso a qualquer coisa é muito ruim, estar preso ao uso de algo para ser feliz deve ser péssimo. Não tenho ideia do que é lutar consigo para continuar sóbrio. Pessoas que conseguem são vitoriosas todos os dias. Eu só posso torcer e comemorar com eles.

Não bastassem todos os obstáculos dessa batalha complicada, tem a vergonha de lidar com aquilo. Isso por conta do que disse acima: a própria pessoa sente culpa de ter se colocado naquela situação e adquirido um vício. Às vezes isso aconteceu muito cedo, quando faltava discernimento para escolher o que seria bom. Às vezes isso acontece num momento de muita fraqueza, quando não parecia haver outra alternativa para enfrentar as amarguras da vida. Às vezes acontece porque quase todo mundo experimenta e o adicto jamais imaginaria que seria bem o ele o cara que não conseguiria escapar e decidir o momento de parar. Tem mil razões que botam uma pessoa nas drogas. E outras tantas que a mantém. Ter vergonha disso só atrapalha mais.

Pensar tudo isso, estranhamente, tem relação com a final da Copa do Mundo da Rússia, depois de uma partida cheia de simbolismos. Do estrelato de um menino de 19 anos, Mbappé, que sofre bullying no time onde joga (pô, Neymar, é sério, cara?). Da ascensão de um time repleto de imigrantes – em tempo de tanta xenofobia. Eis que, nós, brasileiros, quietos em frente à TV num domingo à tarde, recebemos finalmente, após um mês de competição e tantas desilusões, a nossa dose de heroísmo. Quando Walter Casagrande, o comentarista, pede a palavra durante a transmissão da premiação pela Globo, pouco antes da França erguer a taça, o Brasil finalmente encontra seu motivo de orgulho nessa Copa do Mundo. "Foi a Copa mais importante da minha vida. Eu prometi que viria para cá sóbrio, ficaria aqui sóbrio e iria embora sóbrio", ele diz corajosamente, antes de cair do choro. Galvão Bueno, companheiro de transmissões de muitos anos, se emociona junto. Que homem corajoso de falar sobre sua fraqueza em rede nacional (como já fez tantas vezes). Pensa: você não quer nem contar para os outros que está de dieta porque tem medo de não conseguir emagrecer e as pessoas te acharem fracassado por isso. Imagina esse homem… o impacto e a pressão que ele coloca em si mesmo quando divide com o Brasil seu triunfo (que já está embutido num fracasso anterior, o vício). Que serviço importante Casagrande fez por tanta gente que luta a mesma luta que ele e vem perdendo a fé. Que a gente nunca perca a capacidade de vibrar e se emocionar com a vitória do outro.

Por trás do choro de Casagrande, um viciado em reabilitação, estava o ser humano brasileiro que gente vinha buscando nessa Copa. Cheio de defeitos, mas com muita vontade de ser melhor. E conseguindo.

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Sobre a autora

Luciana Bugni é gerente de conteúdo digital dos canais de lifestyle da Discovery. Jornalista, já trabalhou na “Revista AnaMaria”, no “Diário do Grande ABC”, no “Agora São Paulo”, na “Contigo!” e em "Universa", aqui no Uol. Mora também no Instagram: @lubugni

Sobre o Blog

Um olhar esperançoso para atravessar a era digital com um pouco menos de drama. Sororidade e respeito ao próximo caem bem pra todo mundo.


Luciana Bugni