Topo

Meu nome não é 'gostosa': por que o assédio em forma de cantada não é legal

Luciana Bugni

22/12/2017 08h00

Nola Darling quer tudo. E ela pode ter (Foto: Reprodução)

 

"Ela Quer Tudo", a série da Netflix dirigida por Spike Lee, é a história de Nola Darling, uma artista plástica que tem três namorados. Só esse fato já explicaria o título, mas ela quer mais que o poliamor. Ela quer usar a roupa que quiser, sair na rua na hora que quiser e não ter de enfrentar assédio nenhum. Parece básico para muita gente. Mas a prática é um pouco mais complicada. "Estava na sétima série quando esses dois morrinhos aqui apareceram no meu peito. Eu espremi e cutuquei, mas eles não saíram. E é impressionante o quanto minha vida piorou por causa de 100 g de carne", a personagem diz em um dos episódios, em alusão às cantadas que recebe.

Talvez você, leitor do sexo masculino, não entenda muito bem o que é isso. Mas gente às vezes tem que atravessar a rua porque há um grupo de homens em uma calçada e quase sempre vêm desses grupos gracejos que podem nos ofender. Eu sei, eu sei: antes isso era galanteio e deixava mulheres lisonjeadas. Mas a verdade é que um "gostosa" pode ser muito ofensivo e pior — o preâmbulo de uma abordagem mais agressiva ainda, assédio físico e até estupro. Outro dia, um amigo disse: "Sempre reflito sobre olhar para as mulheres de roupa curta na rua. Sei que meu olhar contribui para a objetificação da mulher e por consequência para que exista violência contra elas. E aí não sei o que fazer. Tento olhar discretamente", ele contou preocupado.

Para expressar sua revolta com o assunto, logo após sofrer um assédio ao voltar a pé para casa, Nola faz um projeto artístico. Lambe-lambes com desenhos de mulheres negras e frases como "meu nome não é gatinha", "meu nome não é bonita", "meu nome não é psiu"  são espalhados pelo Brooklyn, bairro nova-iorquino onde ela mora. A resposta é quase imediata: alguém picha por cima de seus desenhos a palavra prostituta várias vezes. "É natural sentir raiva. Você foi atacada duas vezes. Primeiro seu corpo, depois sua arte. O que aconteceu com você é inaceitável e não é culpa sua", diz a psicóloga de Nola. Não é culpa sua, é importante repetir. Não importa a roupa que você esteja usando ou a hora em que esteja na rua.

O projeto artístico existe, na vida real. "Stop Telling Women to Smile" é o nome da obra de Tatyana Faslalizadeh , ilustradora e pintora baseada no Brooklyn. O nome é uma referência à velha cantada masculina "dá um sorrisinho para mim, vai". Uma das mulheres reais retratadas nos quadros de Tatyana diz: "às vezes os homens dizem algo como 'oi, bonita', que nem seria tão agressivo. Mas aí você não responde e vem a tréplica: 'de nada, sua puta!'. No fim, é sempre agressivo". Se você é mulher e anda na rua de uma grande cidade, é impossível não se identificar.

Os pôsteres de Tatyana estão espalhados pelo mundo (Imagem: Reprodução Stop Telling Women to Smile)

 

Mas, claro, temos muito a avançar. Eu mesma, assistindo a "Ela Quer Tudo", me peguei criticando em silêncio o comprimento do vestido de Nola — curtíssimo e sexy. É aquela velha máxima que está na cabeça de todo mundo (e é horrorosa) "também, vestida assim". Ela que me impede de usar determinadas roupas porque alguém pode olhar de forma violenta e achar que tem direitos sobre meu corpo. Não tem, é importante frisar. "Estou cansada de sentir que preciso tomar decisões baseadas no olhar masculino", ela diz à psicóloga. E a profissional responde: "Você pode usar uma burca completa que mostra apenas os seus olhos e mesmo assim vai ter homem assediando você na rua. A solução não é se cobrir, é encontrar uma forma de afirmar seu poder e enfrentar o mundo com confiança. Não deixe o medo ditar suas escolhas."

Que aula, hein, amores?

 

O tal vestido da personagem: está lindo e pronto (Foto: Reprodução)

Comunicar erro

Comunique à Redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:

Meu nome não é 'gostosa': por que o assédio em forma de cantada não é legal - UOL

Obs: Link e título da página são enviados automaticamente ao UOL

Ao prosseguir você concorda com nossa Política de Privacidade

Sobre a autora

Luciana Bugni é gerente de conteúdo digital dos canais de lifestyle da Discovery. Jornalista, já trabalhou na “Revista AnaMaria”, no “Diário do Grande ABC”, no “Agora São Paulo”, na “Contigo!” e em "Universa", aqui no Uol. Mora também no Instagram: @lubugni

Sobre o Blog

Um olhar esperançoso para atravessar a era digital com um pouco menos de drama. Sororidade e respeito ao próximo caem bem pra todo mundo.


Luciana Bugni