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Dê liberdade para o adolescente falar o que sente

Luciana Bugni

13/10/2017 08h00

Estamos dando espaço para eles falarem? (foto: Istock)

O Pintassilgo, livro da americana Donna Tartt, tem mais de setecentas páginas de uma história cheia de guinadas. Quando você acha que tudo vai dar certo, pá, tudo já mudou e deu errado novamente. O adolescente Theo Decker passa por uma grande tragédia pessoal já no começo do livro. (Calma, não estou dando spoiler. O que vou dizer a seguir é apenas o comecinho de uma história repleta de detalhes.) Ele e a mãe estão em um museu em Nova Iorque que explode em um atentado terrorista. Ele sobrevive, mas a mãe não (eu não disse que a gente torce para os órfãos?). Quando, aturdido pela explosão e escombros, ainda dentro do lugar, ele ouve os conselhos de um desconhecido parcialmente soterrado e foge de lá com um dos quadros da mostra.

O Pintassilgo, de Carel Fabritius, um pintor holandês do século 17, discípulo de Rembrandt, foi pintado em 1654, ou seja: Theo roubou uma obra de arte de mais de 300 anos. Se é fácil explicar porque ele fez isso (a confusão mental depois de um grande trauma é gigante e ele tinha apenas 13 anos), difícil é entender o que faz com que o rapaz não comente com ninguém seu pequeno delito nas próximas décadas.

É esse ponto que nos faz pensar. Theo guarda um segredo por absoluta falta de confiança em qualquer pessoa para dividir a angústia de ter feito uma burrada. Ciente de que o que fez é grave, ele se fecha e abre caminho para outros males em sua vida. E, confuso por não saber como consertar, a cada dia mais se afunda no próprio segredo e fica mais distante da solução.

Eu, adulta, leitora, quero ajudar Theo Decker a sair da enrascada onde se meteu. Passo centenas de páginas tensa pensando: mas esse menino não pode confiar em ninguém? Não tem um adulto à sua volta que olhe para a agonia desse mocinho e consiga arrancá-la dele? E me volto para minha vida – será que tenho sido o porto-seguro que os adolescentes precisam quando aprontam das suas e não conseguem ver a saída?

A sutil diferença entre ensinar o caminho certo apenas e ser a parça que eles precisam quando pegarem a saída errada e tiverem vergonha de dividir. A obra de arte roubada dos nossos jovens pode ser um boletim escondido, a menstruação atrasada, nudes que tiveram o destino errado, a oferta de drogas tão comum nessa idade… E acuados e tensos com a bronca que virá, eles se calam, na solidão da falta de confiança.

Depois de passar um tempo segurando o segredo de Théo Becker sem poder ajudá-lo, pensei se estava ajudando os jovens reais que estão acuados bem perto de mim. É bom abrir os olhos, né? Às vezes, por distração de um adulto, um adolescente pode estar se sentindo sozinho e preso como o Pintassilgo de Fabritius, olhando para você desconfiado.

Né? (Foto: Reprodução)

 

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Sobre a autora

Luciana Bugni é gerente de conteúdo digital dos canais de lifestyle da Discovery. Jornalista, já trabalhou na “Revista AnaMaria”, no “Diário do Grande ABC”, no “Agora São Paulo”, na “Contigo!” e em "Universa", aqui no Uol. Mora também no Instagram: @lubugni

Sobre o Blog

Um olhar esperançoso para atravessar a era digital com um pouco menos de drama. Sororidade e respeito ao próximo caem bem pra todo mundo.


Luciana Bugni