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Luciana Bugni

Geleia e pensão: a questão de Edmundo e seu filho não é financeira

Universa

15/07/2020 04h00

Alexandre Mortagua: abandono paterno é outra coisa e não se mede em reais (Reprodução: Instagram)

Fui criada nos anos 80 e 90 e escutei muito umas frases que não podem ser repetidas hoje. "Ela estava pedindo", em casos de mulheres que foram estupradas. "É que homem não aguenta", justificando traição. "Você vai sair com essa roupa?", em qualquer situação.

Tem outra frase também que se repetiu por anos e tantas vezes que parecia até ter virado verdade: "Deu o golpe da barriga". A gente acreditava nisso a ponto de chamar as mulheres bonitas que engravidavam de jogadores de futebol de maria chuteiras, sugerindo que elas forçavam relações para terem filhos.

Olhando daqui deste 2020, fica evidente que não tem cabimento. Uma mulher pode engravidar de propósito? Até pode. Mentir sobre pílula, mentir sobre tabelinha, mentir sobre DIU e engravidar. Mas o homem tem sempre duas opções em caso de qualquer desconfiança novelesca desse tipo. Uma é usar camisinha. E a outra é não transar.

E aposto que vai ter comentário aqui embaixo discordando dessa máxima, mas eu garanto como mulher: é impossível que a gente consiga FORÇAR um homem a ter relações sexuais com a gente. Especialmente porque geralmente envolve ereções, e é fisicamente improvável ter uma ereção porque foi coagido.

Mas nos anos 90, época em que Edmundo teve seu primeiro filho, se usava ainda esse termo. Diziam por aí que as mulheres davam golpes da barriga em pobres e indefesos homens fortes que eram seduzidos e obrigados a enfiar seu órgão sexual sem a vestimenta apropriada em… Hm, não parece verossímil.

Mas ele pagou a pensão…

Pois bem: Edmundo engravidou Cristina Mortagua. Quando ela declarou que o filho era dele, ele negou que a tivesse conhecido. Ela fez exames e comprovou que ele era o pai. Ele lembrou que a tinha conhecido e começou, obrigado por lei, a pagar a pensão. Viu Alexandre algumas vezes, mas nunca participou efetivamente de sua educação. O aborto masculino é legalizado.

Corta para 2020. Alexandre faz um post em suas redes sociais dizendo que está vendendo geleia. O ano está difícil para todo mundo, ele é cineasta e não tem nada demais em fazer geleia (fiz ontem) e vender. Mas todo mundo se sensibiliza como se ele estivesse pedindo esmola ao oferecer um produto no Instagram. E a sociedade imediatamente se compadece, não porque muita gente nesse país cresce sem pai, mas porque o pai dele é rico. Ou foi rico. E o filho de um pai rico não pode vender geleia.

A conversa chega em Edmundo, que encara a paternidade como sempre encarou: cifrões a menos. E dispara que pagou a pensão direitinho (grande coisa). E que, mais que direitinho, pagou muito dinheiro. E ele faz a conta. Edmundo revela que gastou cerca de 10 milhões de reais com o filho durante sua infância, adolescência e início da vida adulta. E lamenta que o filho nunca respondeu quando ele desejava feliz Natal ou feliz aniversário.

Essa doeu um pouco. Além de medir paternidade em reais (em milhões de reais), ele mede presença em mensagens de texto. E se acha um injustiçado porque tentou dar amor mandando uma mensagem. Socorro. Edmundo tem outros filhos e deve saber a diferença que faz ter um pai presente. Essa história de pagar pensão e achar que fez muito é mais uma maneira de culpar a mulher pela gravidez. A gente volta para os anos 90 e trata a criança, hoje adulta, como um negócio.

Alexandre, claro, também entendeu assim. Disse educadamente que não estava falando sobre o pai. Disse também que as migalhas ("feliz Natal") não bastavam. E na verdade, agora nada mais basta. Ele e o pai passaram os últimos 20 anos sem conexão verdadeira. Edmundo cumpriu suas responsabilidades financeiras. O filho sentiu a ausência. Não sei se há alguma coisa que pode ser feita para reparar isso. E mais triste é que tem 5 milhões de Alexandres aqui no Brasil. É esse, aliás, o que dá nome ao filme que ele lançou em 2019 (Todos nós 5 milhões), justamente sobre abandono paterno.

A solução, para a as futuras gerações, vai ser quando os homens também se responsabilizarem pelas relações sexuais que mantêm.

O resto é simples: você corta as frutas lavadas e coloca na panela com açúcar. Aquece até ficar com textura de geleia mesmo. Fica bom com queijos, fica bom em tortas, fica bom com tudo. E você pode vender, se pegar o jeito de fazer. Não tem nada demais nisso.

Você pode discordar de mim, ou me mandar uma receita de geleia, no Instagram.

Sobre a autora

Luciana Bugni é gerente de conteúdo digital dos canais de lifestyle da Discovery. Jornalista, já trabalhou na “Revista AnaMaria”, no “Diário do Grande ABC”, no “Agora São Paulo”, na “Contigo!” e em "Universa", aqui no Uol. Mora também no Instagram: @lubugni

Sobre o Blog

Um olhar esperançoso para atravessar a era digital com um pouco menos de drama. Sororidade e respeito ao próximo caem bem pra todo mundo.