90 dias em casa: antes isolado do que mal acompanhado no Dia dos Namorados?
"Eu não imaginava que o extremo do romantismo seria a ação suicida de pegar um uber e atravessar a cidade para transar", me disse um amigo que, bem, pegou um uber e atravessou a cidade para transar. Fiquei decepcionada e também um pouco curiosa: e aí, como foi?
Não transar na quarentena — quem é casado tem certa intimidade com o assunto. Mas pegar o uber, algo muito mais emocionante, contraventor, errado, perigoso. Ele disse que se sentiu atravessando a Paris nazista. A definição me satisfez: nunca estive num uber durante a pandemia nem vivi em Paris nos anos 40, mas acho tudo assustador. E, por isso, difícil de manter a libido. Mas vai explicar o tesão, né?
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Dizem que a gente se acostuma com tudo em 90 dias. Três meses é o tempo que o ser humano demora para achar natural qualquer coisa nova. Você odeia academia? Tente fazer os exercícios por 90 dias seguidos e, voilá, estará plenamente adaptado. O mesmo vale para empregos novos, cidades diferentes, outros idiomas, rommies novos ou ficar sem transar. 90 dias é o prazo.
Hoje, Dia dos Namorados, faz exatamente 90 dias daquele sábado, 14 de março, em que cheguei de madrugada depois de um dia divertido com os amigos na rua, coloquei meu filho dormindo sem tomar banho na cama e nunca mais saí.
Se estou acostumada? Bem, eu agradeço pelos privilégios e controlo as crises de ansiedade (e dou banho na criança todo dia, eu juro).
90 dias para casar x 90 dias brigando
"90 dias para casar", o reality do canal pago TLC, é um sucesso. Casais formados por um americano e uma pessoa de outro país se apaixonam. O estrangeiro vai aos EUA e, a partir do momento em que encontra a pessoa amada, tem 90 dias para casar e conseguir o visto de permanência. Amor, ilusão, raiva, carência, diferença cultural, encontros estranhos com a família e muita pressa: o resultado você deve imaginar.
Isso talvez explique o sucesso do programa, já que gostamos de ver que não estamos sozinhos nos inúmeros naufrágios da vida amorosa que já vivemos. E, ao entender o perrengue dos personagens, você olha para o sofá vazio ao seu lado ou para seu cachorro e pensa: ainda bem. Mil vezes isolada do que num inferno desse.
90 dias para você
Corta para você: solteiro, há 90 dias sem sair de casa. Já esgotou a curiosidade gastronômica de ser um chef de querentena. Já fez crochê, tricô, macramê, scrap e toda sorte de trabalho manual. Passou da ioga para o pilates para pular corda para fazer aeróbica com a Jane Fonda num vídeo de VHS importado para o YouTube. Fez 72 pães de fermentação natural em três meses. Mudou o costume de fazer drinks elaborados todos os dias e postar no Instagram para o de não beber álcool quase nunca. Tudo, absolutamente tudo, perdeu a graça.
Mas você segue firme em casa, em uma decisão meio política, meio apavorada mesmo: quanto mais a cidade lá fora se flexibiliza, mais perigoso fica pegar e passar coronavírus por aí. Recordes de mortes diários, hospitais superlotados, governo sem iniciativas — se você não está com muito medo é porque não está se informando direito.
E aí, no fim de três meses, 90 dias em casa, sem pressa para conseguir um Green Card, você é brindado com o Dia dos Namorados. A data cruel em que as pessoas precisam ter um par. Que todos ficam esfregando seus amores na cara um dos outros via redes sociais. Que saco.
Lógico que esses 90 dias não foram sem amor: um amigo contou um pouco chateado que a garota pediu que ele ligasse para ela gemer. O telefonema aconteceu, a garota ficou gemendo. Ele não achou muita graça. O outro lá de cima pegou o uber. Recomendo? Não. O conselho é não cair na insistência dos caras. O que mais? Muita gente se separou. Luiza Souto conttou a história dela aqui. Alguns ficaram tristes, outros aliviados. Quase todo mundo sonhou com o ex e ficou meio cabreiro. Teve balada, claro que teve. E muitos, muitos amigos continuam firmes em casa: meio vendo série, meio cuidando das plantas.
Dizem que tudo isso vai passar e a gente vai encarar as relações de uma outra forma, agora cientes na importância de estar com alguém. Ou ficaremos ainda mais individualistas depois desse autoconhecimento forçado. Mas o que eu mais queria dizer é que essa sexta-feira não significa muita coisa, não. Seguimos a programação normal de tomar um drink de leve e conversar com os amigos no Zoom. E amanhã tentamos outras práticas que nos façam achar alguma outra graça no isolamento. Será que dá para fazer tai chi chuan em casa? Que tal um vinho quente esse sábado? E não é que "90 dias para casar" é mesmo viciante?
Que o amor não seja uma pressão cronometrada e essa sexta-feira seja leve.
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