Por que todo mundo amava Ricardo Boechat?
Estava almoçando e me pareceu brincadeira quando um amigo avisou pelo Whatsapp: Boechat morreu. Peguei o celular pensando que o jornalista havia emitido uma de suas tantas opiniões fortes e que meu amigo, discordando, decretava a morte de sua admiração pelo profissional. Não. Boechat, a pessoa, havia morrido mesmo.
Poucas horas depois de encerrar seu programa de manhã na Band News FM, o helicóptero onde estava caiu nos arredores de São Paulo. Estava voltando de Campinas, onde teria dado uma palestra. Trabalhar o tempo todo, esse vício de jornalista. À noite, entraria em nossas casas novamente pela TV. Para quantas pessoas Boechat era a primeira voz do dia e também a última?
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Minutos depois da consternação da notícia, eu já não vencia responder as mensagens no Whatsapp. Repórteres com quem eu trabalhei ao longo da vida repetiam o inacreditável: Boechat morreu. "Estou chorando", vários diziam. Uma dor que parecia ser de todos de não aceitar o impensável – ele estava aqui em casa agora mesmo e de repente não está mais.
Nos sentimos todos como o Datena no vídeo em que anuncia sua morte. "Na quarta-feira passada, ele veio fingir que ia cochichar algo em meu ouvido e me deu um beijo na bochecha dizendo que era só para me beijar mesmo", o jornalista diz. As pessoas alegres não deviam morrer nunca, a gente pensa.
A transmissão da emissora foi suspensa por alguns minutos porque nenhum de seus colegas conseguia falar para noticiar. Depois de algum tempo, jogaram no ar o último comentário da voz que nos é tão conhecida, feito hoje de manhã: ele falava sobre as mortes em Brumadinho e no incêndio do Flamengo.
Uma amiga me escreveu dizendo que acabava de perceber que tinha um ídolo, pois nunca havia ficado tão abalada antes com a morte de alguém famoso.
Por que a morte de Boechat une todo mundo? Os amigos dele. Os colegas. Gente que nunca o viu. Gente que conhecia quem trabalhasse com ele. Gente que o ouvia toda manhã. Gente blasfemando 2019. Gente consternada.
O homem de voz inconfundível entrava nos nossos carros de manhã. Fazia piadas com José Simão. Brincava com os colegas, mas também dava ordens. Suas brigas no ar, imperativas, dividiam opiniões. Mas é a opinião certeira, sem medo de dizer o que pensava, que unia os admiradores.
Boechat reunia o erudito com o popular. Sabia o que e como dizer, como se espera de um comunicador em um tempo que nossa profissão anda tão desmoralizada por aí. Falava do sério quando precisava, provocava risos quando assim devia fazê-lo. Dava seu celular no ar, nos fazia sentir parte do que ele fazia. Confessava a depressão que teve, que acomete tanta gente comum. E depois ria, de perder o fôlego, até nos fazer rir também. Tudo isso de modo que distraísse nossas cabeças exaustas no trânsito logo nas primeiras horas da manhã. Boechat nos punha a pensar.
Nós choramos a morte de Boechat porque, em tempos de tanta informação de tantas fontes, não sabemos em quem acreditar. Choramos a solidão de quem vai ao trabalho sozinho toda manhã depois de perder o companheiro. Choramos porque essa noite, entre tanta gente dizendo tanta besteira em tempos tão esquisitos, não vamos ter um amigo para nos dizer a verdade. E não vamos saber em quem acreditar.
A morte de Boechat é mais um passo que damos em direção a nossa preguiça de pensar, de ouvir o outro, de mudar de ideia.
E isso é muito triste.
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