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Luciana Bugni

Meu Paul te ama - como Paul McCartney une as gerações

Luciana Bugni

16/10/2017 15h40

Mas é um lorde, mesmo (Foto: Lucas Lima/ UOL)

 

"Você sabe quando foi a primeira vez que ouvi 'Sargent Pepper's'? No velório do meu tio. Eu era um menino", diz um senhor que deve ter quase 70, em pé na pista esperando Paul McCartney entrar no palco. Uma senhora de brincos de argola dourados que beira os 50 conversa sobre como Beatles foi a trilha sonora da vida toda dela em casa. Ao meu lado, passa uma fila de meninas que deve ter seus 19, 20 anos. Todas usam uma camiseta com o rosto do cantor estampado e a curiosa frase: "meu Paul te ama", em alusão ao funk moderno. O Brasil é engraçado, nessa mistura louca, eu fico rindo. Ao meu lado, os meninos roem as unhas, ansiosos. Quando eles nasceram, Paul já tinha 60 anos. Discutem sobre o melhor lugar para assistir o show: "Quero olhar pra ele", um deles diz quando eu argumento que show é assim mesmo. O legal é ver pelo telão e sentir a energia, não dá para se frustrar por não ter uma visão ok do palco. "Será que eu conseguirei ir em algum outro show do Paul McCartney na minha vida? E ficar mais na frente?", ele pergunta intrigado. Digo que sim, ele tem só 15 anos. E Paul McCartney devia ser eterno.

Passei um tempo enorme da minha vida dizendo que não gostava de Beatles. Já tentou dizer algo assim em voz alta? Não gostar de Beatles é o equivalente a não gostar de cachorros. Todos olham para você estarrecidos, com aquela cara que o elenco de "Friends" olhou para Chandler quando ele arriscou contar sobre sua aversão por cães. Cachorro, brigadeiro, doce de leite e Beatles. Não dá pra confessar que não gosta do que é senso comum. Mas eu nunca liguei muito para isso, arte é o que te toca e os quatro de Liverpool nunca haviam me tocado. Os amigos, chocados, bem que tentaram. Um deles deixou um disco na minha mesa com o bilhete sucinto: um dia você vai entender a desses caras. Profetizou, Daniel. Paulo, Ângela, André… todos insistiam que um dia ia bater. Demorou décadas. Corta para o último domingo. Lá estou eu, em pé há cinco horas, cercada de adolescentes, emocionada. Chorando.

Meu enteado mais novo diz que tem raiva do que ele chama de divisão de geração. "Os mais velhos dizem que não posso gostar como eles só porque sou mais novo. Eu gosto, sim". Não ouso contestar. Olho para os lados: não é só ele que rói as unhas. As gerações dividem os metros quadrados do gramado em uma ansiedade maluca que contagia até os céticos. Meu Paul te ama. As luzes finalmente se apagam, para acender lá na frente, explosão. "Hard Day's Night" abre uma sequência de quase três horas de euforia. Sinto um arrepio que não condiz com a temperatura. Olho para os lados. A senhora de brincos de argola dourados sorri. O senhor do velório do tio repete um "nossa, nossa" que devia estar entalado há 50 anos. Os meninos sorriem um para o outro, procuram ainda o melhor local para ver o Sir. Cantam as músicas de cor. Todos juntos, empunhando cartazes que dizem Nanananana no refrão de "Hey Jude".  E eu, outrora cética, sou fisgada — e também fisga a lombar, três horas de show não é pra gente da minha idade.

Bem que meus amigos avisaram. Ainda bem que os adolescentes me ensinaram. Paul, educado como um lorde inglês, nem reclama do meu atraso e me recebe muito bem. Bateu. Eu finalmente entendi a desses caras.

Take a sad song and make it better (Foto: Arquivo Pessoal)

Sobre a autora

Luciana Bugni é gerente de conteúdo digital dos canais de lifestyle da Discovery. Jornalista, já trabalhou na “Revista AnaMaria”, no “Diário do Grande ABC”, no “Agora São Paulo”, na “Contigo!” e em "Universa", aqui no Uol. Mora também no Instagram: @lubugni

Sobre o Blog

Um olhar esperançoso para atravessar a era digital com um pouco menos de drama. Sororidade e respeito ao próximo caem bem pra todo mundo.