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Luciana Bugni

Sandra Lee é a musa: todos estão viciados em vídeos de cravos e espinhas?

Luciana Bugni

21/08/2020 04h02

Doutora Lee em ação: ela é sempre assim tão autoconfiante? (Divulgação)

É quinta-feira, 21h. Dou uma olhada rápida nas notificações do Instagram antes de contar uma história para meu filho dormir. Quinze minutos depois, ele está me cutucando: e a história, mamãe? Aconteceu de novo: fui abduzida pela Dra. Sandra Lee, ou Dr. Pimple Popper (a tradução seria médica espremedora de espinhas).

Sandra Lee, para os menos letrados em "popping", é uma dermatologista que vive na Califórnia. Um dia, ela percebeu que os procedimentos que fazia na clínica em que trabalha com seu marido eram muito interessantes. Passou a filmar extrações de cravos, espinhas e lipomas e colocou em um canal no YouTube. No início, teve vergonha de contar para seu pai, que também é dermatologista e inspiração de sua carreira. Quando o fez, ouviu o médico dizer: "Isso é ridículo, filha".

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Mas muita gente não achava ridículo. E muita gente achava, mas isso não as impedia de ver os vídeos. Quando digo muita gente, falo de quase 5 MILHÕES de seguidores só no Instagram. No Youtube oficial, são 6 milhões. Fora os canais de Youtube do TLC, canal pago em que Sandra estrela o programa em vários países do mundo.

Sim, porque é claro que o sucesso na internet deu um pulo para a TV. Hoje, no Brasil, o programa "Dra Sandra Lee: Rainha dos Cravos" passa no canal pago Discovery Home and Health, aos domingos, às 22h. E bomba.

Mas como assim, espremer espinha na TV?

Na semana passada, entrevistei a Dra. Lee em uma live no Instagram do Discovery Home and Health. Simpática e empolgada, ela queria aprendeu palavras em português. Ensinei para ela o #cistou, uma variação de #sextou que dá nome ao programa em que ela faz extrações rápidas das quais ninguém consegue tirar os olhos. Ela adorou. "E aí, #cistou?", ficava me perguntando.

Num dos episódios de "#cistou", ela garante que pode transformar qualquer pessoa num popaholic (um viciado em espremer) em pouco tempo. Eu não duvido de que ela esteja dizendo a verdade. Nunca vi Sandra prometer algo e não cumprir, mesmo que seja extrair lipomas do tamanho de frutas da pele das pessoas.

Sandra: em sua estreia no TikTok, ela aplicou uma injeção no seu próprio queixo para se livrar de uma espinha (Divulgação)

Claro que a prática divide opiniões: há quem se diga viciado, há quem sinta muita repulsa. Dentro da casa da médica é a mesma coisa: um filho gosta, o outro abomina. Mas a própria repulsa é motor para o sucesso. "Nossa, que coisa horrível, preciso ver até o final para ver como acaba", pensam os fãs mais sensíveis.

E essa piração em cravos e espinhas, de onde vem?

Sandra me disse que acha que o fanatismo vem do teor educacional. Ela acha que os fãs gostam porque aprendem coisas sobre seu próprio corpo. A repórter Janaina Harada foi além na discussão  e entrevistou a psicóloga Adriane Colerato para entender a fixação: "É a remoção de um problema visível e palpável. Inconscientemente, traz a esperança de que, por pior que seja a questão, há uma solução também para a vida do espectador", disse a profissional.

Concordei. Sandra Lee também. A vida da gente está toda tão errada que pelo menos ali, naquele paciente, aquele probleminha (ou problemão) está sendo resolvido. Terapêutico. Você realmente se acalma vendo aquele aflitivo espremer de coisas. Que paradoxo. 

Uma amiga me escreveu que precisou deixar de seguir os perfis da médica, pois o vício  em espremer estava prejudicando sua produtividade. Entendo, mas tenho ao meu lado a desculpa profissional: há momentos do dia em que eu literalmente ganho pra ver vídeos de cistos, cravos e toda sorte de secreção sendo expurgada.

Outra amiga escreveu logo depois da live na semana passada: "Amiga, eu vi 5 segundos e estou passando mal". É o que Sandra Lee chama de "estômago sensível", como toda a educação. E logo depois sorri para o público e acena. E então diz que não gosta quando espirra pus em seu cabelo ("É como fumaça de churrasco, fica com aquele cheiro o dia todo. Mas a culpa é minha que fiquei na frente"). E sorri de novo. E toca ukelelê.

Dos paradoxos de 2020, os vídeos de Sandra são uma das únicas coisas que nos dão o conforto da certeza de que vai dar tudo certo no final. Só não tente fazer isso em casa, ela pede encarecidamente.

Mas e aí, #cistou? A gente pode falar mais disso no Instagram.

 

 

Sobre a autora

Luciana Bugni é gerente de conteúdo digital dos canais de lifestyle da Discovery. Jornalista, já trabalhou na “Revista AnaMaria”, no “Diário do Grande ABC”, no “Agora São Paulo”, na “Contigo!” e em "Universa", aqui no Uol. Mora também no Instagram: @lubugni

Sobre o Blog

Um olhar esperançoso para atravessar a era digital com um pouco menos de drama. Sororidade e respeito ao próximo caem bem pra todo mundo.