Topo

Luciana Bugni

Repassar boatos no WhatsApp: essa brincadeira é crime

Luciana Bugni

19/03/2018 13h30

A gente não pode sair falando por aí sobre quem nem conhece (Foto: Reprodução/Instagram)

 

Não sou do tipo que perde muito tempo abrindo meme no WhatsApp. Tenho bode até de áudio. Mas fora as brigas nos grupos de amigos, se tem uma coisa grave, que me tira do sério, é compartilhamento de notícia falsa. E essa semana a coisa ficou séria. A morte de Marielle Franco, vereadora assassinada no Rio de Janeiro, mexeu com todos. Talvez por ser mulher, talvez por batalhar por justiça, talvez pelo tamanho da injustiça. Ou talvez por ser da favela, bissexual e negra, três coisas que eu não tenho ideia de como é ser, então só posso ouvir quem pertence a essas minorias e aprender com elas.

A junção de evidências faz crer que ela foi executada por interesses políticos em calar sua voz. E esse fato deixa de ser um acontecimento que contribui para a polarização política para virar algo que interessa a todos nós. Dois inocentes morreram provavelmente porque Marielle pensava diferente e denunciava o que estava errado — ela, negra, favelada, bissexual, como tantas outras que morrem só por ter essas características, ousou fazer algo. E talvez por isso tenha sido executada. Ela não defendia bandido. Defendia inocente, defendia policial (como ficou provado em algumas prints de conversas com ela e depoimentos de policiais), defendia melhorias para a população para que não existam mais bandidos, nem precisem existir. É uma batalha inglória, comprida e solitária a de Marielle, mas ela estava ali brigando por justiça. É isso que são direitos humanos: direitos para os humanos. E mesmo que você não concorde com os métodos usados pela vereadora, ou tenha uma ideia melhor de como fazer isso, tenho certeza de que concorda com o objetivo. Não existir bandidagem na favela, não existir pacto de polícia com traficante e não existir quem financia tudo isso e tem maior interesse: político corrupto. Tudo isso faz com que você, cidadão de bem, ache que a morte de um inocente seja absurda. Você quer que inocentes morram? Claro que não! Então como explicar a morte de Marielle?

Não dá. A morte dela nos faz refletir sobre os ódios que carregamos — faz algum sentido odiar um partido político se o extremo disso pode ficar muito grave? Por isso, algumas pessoas estão tentando transformá-la em vilã. Aí tudo bem, é só dizer por aí que ela mereceu morrer e tirar a reflexão do caminho. Para isso, voltamos ao WhatsApp: terreno fértil para se plantar qualquer tipo de boato e vê-lo crescer, sem censura. Oras, se até eu, que nunca recebo nada, recebi a história de Marielle ser ex-mulher de Marcinho VP, ter sido eleita pelo Comando Vermelho e ter engravidado aos 16 anos (seria crime então engravidar aos 16 anos?)… Tudo mentira.

A fofoca vem num tom engraçado, de conversa, parece que foi escrita por um amigo. E pior: dá uma ilusão de que você sabe mais que os outros. Afinal, os quatro tiros que mataram Marielle saíram pela culatra e fizeram o rosto dela, em vez de ser enterrado, estampar bandeiras e camisetas. E por que estão defendendo se ela era mulher de um traficante? É uma forma de justificar o próprio ódio que não tem razão de ser. Mas quando a gente passa pra frente um boato, na verdade, passa a vergonha de contar uma mentira como se fosse verdade. Se você não tiver lido a respeito em jornais, revistas e sites confiáveis, pode acabar acreditando no que recebeu — especialmente se tiver a ver com o que você acredita politicamente. Daí a importância de escolher fontes com reputação para se informar. E ouvir quem pensa diferente.

Como jornalista, profissional da notícia, as notícias verdadeiras e bem apuradas são o que há de mais importante para mim. Porque se a gente passa pra frente sem apurar, a morte de um inocente vira uma bandeira para a polarização entre esquerda e direita e tira o foco do principal: um inocente morreu.

Precisamos ter muito cuidado com os boatos que espalhamos — nesse caso, passíveis inclusive de processo. Dizer mentira por aí tem consequências. A gente tem que, sim, discutir com quem pensa diferente da gente (ouvir, pensar, expor, com calma). Mas acreditar que alguém deve morrer porque pensa de outro jeito é criminoso — e perigoso, porque podem estar pensando o mesmo sobre nós por aí.

Sobre a autora

Luciana Bugni é gerente de conteúdo digital dos canais de lifestyle da Discovery. Jornalista, já trabalhou na “Revista AnaMaria”, no “Diário do Grande ABC”, no “Agora São Paulo”, na “Contigo!” e em "Universa", aqui no Uol. Mora também no Instagram: @lubugni

Sobre o Blog

Um olhar esperançoso para atravessar a era digital com um pouco menos de drama. Sororidade e respeito ao próximo caem bem pra todo mundo.