Quando a correria de dezembro faz mal de verdade para a gente
Dezembrão, começo de férias, aquela ilusão de que a gente tem de aproveitar a vida loucamente. Primeiro fim de semana de praia depois de um ano em que, entre outras obrigações, me tornei mãe. O que, parece ter ficado claro, toma muito tempo. Sol em Florianópolis, primeira vez que o bebê vê senta na areia, entra na água do mar, come areia, essas coisas. Tudo devidamente filmado. Protetor especial FPS 60. Bebê cercado de cuidados. Pronto. Sobrevivemos. É possível ir com um bebê à praia!
Quatro horas depois, a mãe do bebê, no caso eu, está ardida como se tivesse tomado o sol do mundo um dia antes de se mudar para a Dinamarca. As costas fervem — envolvida em cuidar do bebê, não passei uma gota de protetor. Mais algumas horas depois, estou tremendo num calor de 30 graus. Meus amigos dizem que é insolação. Me cubro. Tremo. Tomo água. Tenho um pouco de enjoo. Consegui ter insolação em três horas de praia. Meu frágil bebê está ileso (e ótimo).
A família vai ao shopping com os amigos para jantar. Me arrasto. Tremo mesmo com blusa e uma pashmina. As pessoas me olham com estranhamento. Condeno 2017: tinha dois dias para me divertir na praia e estraguei tudo nas primeiras três horas. Ao redor, fast foods variados. Enjoo. Acho um restaurante no canto da praça de alimentação que promete comida caseira a vontade por R$ 17,90. Uma pechincha. Faço meu prato com o pouquinho de arroz, feijão e batata cozida que julgo ser possível ingerir. Chego ao caixa: ele me diz que vai cobrar R$ 3,50 para pesar o prato. Eu não entendo direito — afinal, não é para comer à vontade por R$ 17,90? O simpático atendente me explica. Tem pouca comida no meu prato. Não é justo cobrar o valor cheio. É para eu pagar apenas R$ 3,50. Eu fico por um tempo parada. Tem alguém ali naquele templo do capitalismo me dizendo que não quer que eu pague o que me propus a gastar porque não seria justo para mim. Insisto que R$ 3,50 é muito pouco por um jantar. Ele repete que é o justo. Insisto um pouco e ele permite que eu pague R$ 5. Me arrasto até a mesa, empurro a comida (deliciosa) para dentro e em alguns minutos me sinto um pouco melhor.
Não sei se é a loucura em que vivemos na cidade onde moro, se é o excesso de trabalho, se é a falta de foco (ou excesso dele) que me faz cuidar do filho e esquecer de mim, mas aquele homem preocupado com a quantidade de dinheiro que eu ia desembolsar me encheu de ternura. Que a gente possa olhar para o outro com essa empatia, pensar que aqueles que não conhecemos estão vivendo batalhas das quais não temos a menor ideia. Que nosso trabalho não seja maquinal, que a gente encontre tempo para olhar para o outro com menos ganância, para ser justo.
Foi isso tudo que me fez pensar o atendente de um restaurante de comida caseira na praça de alimentação de um shopping no começo da temporada de verão de uma cidade litorânea. Que a gente seja mais justo. Que a gente melhore o dia das pessoas assim.
E, claro, que a gente use filtro solar, como já pedia a voz do Pedro Bial naquele vídeo famoso nos anos 2000, porque ter insolação, além de tudo, é feio.
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