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Luciana Bugni

A irmandade dos órfãos: a gente se junta com quem viveu a nossa dor

Luciana Bugni

08/09/2017 08h17

    a gente procura os semelhantes… (Foto: iStock)

Tem uma coisa que não se diz, mas dentre as infinitas desvantagens de ser órfã, existe o privilégio de (quase) sempre contar com o carinho das pessoas. A gente, por natureza, simpatiza com órfãos. Pode ver o Simba, o Bambi, as princesas todas. Torcemos pelos órfãos desde que somos crianças. Foi assim com Forrest Gump, com a Nina de "Avenida Brasil" e os príncipes William e Harry.

Essa semana faz anos que meu pai foi embora, como minha mãe prefere dizer. Morreu é realmente meio trágico para um drama pessoal que aconteceu há tanto tempo. Fernando Pessoa que me desculpe, mas Álvaro de Campos deu uma exagerada nessa história de só és lembrado em duas datas aniversariamente. O que não dá para negar é que "quando faz anos que nasceste e quando faz anos que morreste" pensamos mais na pessoa mesmo.

Se você já passou por isso, sabe: o baque vai aliviando com o tempo. Meio que se acostuma com a ausência. Mas os aniversários trazem de volta tudo que aconteceu naquele dia, minuto a minuto. Morte de alguém muito próximo é como um filme em que a gente se vê de dentro e de cima ao mesmo tempo. Só entende quem viveu algo semelhante.

Não estou desprezando o carinho e a torcida de todo mundo, muito pelo contrário. Aliás, essa empatia salva nossa vida. Mas se tem uma coisa que alivia a dor é a irmandade dos que viveram o mesmo. A primeira vez que ouvi a expressão foi no filme "Só Deus Sabe", de Carlos Bolado. O personagem de Diego Luna, Damián, fica empolgado ao descobrir que Dolores (Alice Braga) é órfã como ele. "Isso explica porque nos damos tão bem. É a irmandade dos órfãos", ele diz. Não é que é mesmo? É a irmandade dos  órfãos.

É difícil para quem tem pai e mãe em casa (ou fora de casa, mas nesse plano) entender direito o que a gente sente, por mais que queiram e muito ajudar. Infelizmente, não tem como. O órfão não liga tanto assim para a dor do outro, apesar de saber que é o fardo mais difícil de todos nós carregarmos. Como carregamos, sabemos que é possível. Uma independência escondida. Com eles, a gente pode fazer piada sobre a morte sem constrangimento. A irmandade pode soar maldosa para os não-órfãos. Mas é apenas sobrevivência.

Tudo isso porque essa semana fez anos que meu pai morreu. A ausência é tão grande que eu sinto como se pudesse tocá-la. Queria contar para ele que as árvores que plantamos na praça agora estão enormes. O time dele foi campeão do mundo. E eu me tornei, como ele, uma especialista em fazer amigos. Muitos deles órfãos, como eu. A irmandade.

A vida é um tira e põe danado e no fim a gente dá um jeito de acabar sorrindo. Eu, meus irmãos órfãos, Bambi, Forrest Gump e os príncipes de Gales. A gente se ajeita.

Saudade enorme de você, pai.

Sobre a autora

Luciana Bugni é gerente de conteúdo digital dos canais de lifestyle da Discovery. Jornalista, já trabalhou na “Revista AnaMaria”, no “Diário do Grande ABC”, no “Agora São Paulo”, na “Contigo!” e em "Universa", aqui no Uol. Mora também no Instagram: @lubugni

Sobre o Blog

Um olhar esperançoso para atravessar a era digital com um pouco menos de drama. Sororidade e respeito ao próximo caem bem pra todo mundo.